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domingo, 19 de dezembro de 2010

ALICE NO PAÍS DAS MARAVILHAS (2010): OS EFEITOS ESPECIAIS CONTRA A IMAGINAÇÃO

Pois é, pessoal, a nossa querida Alice foi novamente levada ao cinema. Lançada agora em 2010, a nova versão de Alice no país das maravilhas chamou a atenção principalmente por ter o bajulado Johnny Depp fazendo o papel do Chapeleiro Maluco, pela assinatura do irreverente diretor Tim Burton e também pelas promessas hiper-reais do 3-D. Tinha tudo para ser um grande filme, não acham? Quando encontrei o DVD no camelô, fiquei até constrangido em comprar o piratão por “cinco real” (na verdade, escolhi mais dois e levei três por 10,00 hehe!), afinal, esse seria o caso de se comprar um original e colocar na coleção, isso depois de colocar os óculos no cinema e pirar o cabeção com a super-simulação.
foto: divulgação

A princípio, Tim Burton poderia ser o diretor ideal para adaptar a obra do escritor inglês, Lewis Carroll, afinal de contas, seus filmes sempre foram marcados pela excentricidade e inovação visual, qualidades fundamentais para a transposição cinematográfica da obra literária. Contudo, minha decepção foi quase total. Digo “quase” porque os efeitos especiais, o uso do 3-D e o esmero na construção do País das Maravilhas (Wonderland) são louváveis. Mas, embora tenham seu valor estético, efeitos especiais são datados e efêmeros. Vocês se lembram de Os pássaros de Hitchcock? O filme de 1963 certamente não é uma obra-prima por conta de seus efeitos especiais, embora tenham sido extasiantes e inovadores à época. Mas voltemos à Alice de Burton.
Em suma, o fato é que a produção da Disney está muito aquém do valor estético e filosófico da obra de Carroll.  O conto do escritor inglês de modo algum sustenta uma história moralista em que existe uma luta maniqueísta do bem contra o mal, no qual o herói vence os obstáculos e restabelece a ordem ao seu mundo. Ao contrário, a jornada de Alice é um processo de autoconhecimento, de desconstrução das idéias de normalidade e realidade, no qual o mundo dos deveres, das regras de etiqueta, dos casamentos por conveniência, enfim, da moralidade burguesa do século XIX, é rejeitado por conta da carga de opressão e tédio que carrega. É a partir deste desencantamento com o mundo racional/adulto que Alice se refugia em seu país das maravilhas, no qual a opressão e os problemas continuam, mas podem ser encarados de uma maneira divertida, espontânea e sem roteiros de conduta pré-estabelecidos. Logo, será neste universo de alumbramentos e possibilidades infinitas que Alice preferirá existir. E é nesta questão crucial da obra de Carroll que Tim Burton peca. Aliás, pecado gravíssimo e irreparável.
Ao simplificar a complexidade dos personagens, sobretudo a protagonista, Burton reduz a bela plasticidade de sua Wonderland a um mero plano de fundo onde se desencadeia uma batalha previsível, na qual as forças do bem vencerão as do mal, e ponto final. Mais do mesmo, em se tratando de produções da Disney, salvo raras exceções. As boas atuações da revelação australiana, Mia Wasikowska, Johnny Depp e Helena Bonhan Carter não salvam o filme, afinal de contas, se não há um bom texto, não há muito que fazer, a não ser manter a técnica, mas sem arte.
foto: divulgação
Por fim, acho que Carroll se revirou na tumba com o desfecho dado à sua personagem no filme. A Alice de Burton, ao retornar da toca do coelho, volta plenamente decidida a “ser quem ela é” (o velho clichê “seja você mesmo” dos filmes teen), enfrentando todos, assumindo a persona de detentora da verdade, fruto de um aprendizado quase místico, dando lição de moral em todos (em uma das cenas mais vergonhosas do filme, Alice ordena a uma senhora que vivia sonhando com seu príncipe encantado que procure ajuda médica para voltar a ser “normal”, a fim de curar sua loucura!). Na última cena, a Alice de Burton discute sobre negócios e empreendimentos com um velho burguês, mostrando-se uma capitalista moderna, com os pés bem firmes na realidade, aliás, a mesma realidade que a Alice de Carroll rejeitou com a beleza de sua imaginação. A obra do escritor inglês desferiu golpe fulminante na moralidade burguesa de sua época, nos valores positivistas que enalteciam a razão como grande valor do homem capitalista em sua lógica de exploração e acumulação. A obra de Burton é ela própria um grande negócio, nada mais que isso. Uma superprodução que pretende uma arrecadação super, sem se arriscar filosófica e esteticamente. A Alice de Carroll deve continuar intrigando e encantando leitores adultos e jovens por muito tempo. A Alice de Burton, claramente destinada a um público raso e infantilóide, deve ser esquecida.
Pela sua respeitável trajetória como cineasta, esperamos que o diretor se recupere em suas futuras criações (enquanto isso, bendito seja o camelô!).

(PEREIRA, Volmir Cardoso. Alice no país das maravilhas (2010): os efeitos especiais contra a imaginação. Disponível em http://www.academiadolixo.blogspot.com/ . Publicado em 20 de dezembro de 2010.)

REFERÊNCIAS
FORLANI, Marcelo. Visualmente lindo e só. Disponível em http://www.omelete.com.br/cinema/critica-alice-no-pais-das-maravilhas/ . Acessado em 15 de novembro de 2010.
GIANNINI, Alessandro. Burton imprime cores, efeitos e moral demais em Alice no país das Maravilhas. Disponível em http://cinema.uol.com.br/ultnot/2010/03/23/burton-imprime-cores-efeitos-e-moral-demais-em-alice-no-pais-das-maravilhas.jhtm . Acessado em 12 de dezembro de 2010.

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"VIVER ULTRAPASSA QUALQUER ENTENDIMENTO" (C. L.) 

2 comentários:

  1. Vi o filme e ele deixa muito a desejar mesmo ... naum gosto de filme sem conteudo, é uma historinha sem sal mesmo.. preciso ler o livro hein!

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  2. Bela crítica, ótimo texto!

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